CAIO LÓSSIO BOTELHO (Engenheiro Geógrafo)

Blog destinado a publicações feitas pelo Professor Caio Lossio Botelho e artigos de sua referência.

Tuesday, February 01, 2005

TRANSPOSIÇÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS PARA A REGIÃO SEMI-ÁRIDA EQUATORIAL DO NORDESTE BRASILEIRO

(Zona do Sertão)

O Brasil é um pais privilegiado no que tange à interligação de bacias hidrográficas.
Ligações das Principais Bacias Hidrográficas no Brasil :
Canal natural de Cassiquiere interliga as bacias do Amazonas com Orinoco.
As lagoas Comprida e Capitão Agostinho interligam a Bacia do Paraguai com o Amazonas.
As lagoas de Varedão e Jalapão interligam as bacias do Tocantins - São Francisco - Parnaíba.
A interligação do sistema hidrográfico do Nordeste brasileiro poderá ser feito através de três alternativas:
1ª - Interligação do rio Tocantins com o rio São Francisco via LAGOA DE VAREDÃO, nos limites dos Estados da Bahia e Tocantins, em área de terreno altamente poroso formado de calcário, onde dutos subterrâneos interligam à referida lagoa recebendo águas da bacia do Tocantins (rios Sono e Novo), lançando-as nos rios Sapão, Preto e Grande, da bacia do São Francisco .
O Engº GILVANDRO SIMAS PEREIRA destaca o seguinte:
No divisor d'água São Francisco - Tocantins há várias nascentes do seu subsolo, o que evidencia claramente a continuidade do grande lençol d'água subterrânea;
A infiltração das águas dão origem à formação e também a interligação de imensos rios na região, como os rios Sono, Preto, Grande etc.
Aqui é comum a presença de grandes alagadiços, sempre em baixadas, é aí, nestes grandes pântanos ou brejos, que a água começa a correr até formar grandes "canyons" onde estão localizadas as principais lagoas desta região;
É interessante destacar que nas depressões onde se assentam alguns lagos, como Varedão, a força com que a água é expelida é tão grande, que ninguém conseguiu até hoje alcançar o fundo da lagoa, pois a pressão da água que flui é tão forte, que empurra qualquer corpo para cima;
Na região há inúmeras ligações subterrâneas. Um braço dos rios Sapão, Preto, Grande (São Francisco) se interliga subterraneamente com a bacia dos rios Sono, Novo (Tocantins).
Na região do divisor d'água Tocantins – São Francisco, 652 m de altitude na sua porção oriental, há uma tendência geral dos subafluentes do primeiro (Tocantins), a serem capturados pelos afluentes do segundo (São Francisco). Aí a erosão regressiva ou lateral constatada no sistema Tocantins tende a levar a captura de águas dos subafluentes desta bacia semi - amazônica, invertendo portanto seu curso (para a bacia do São Francisco) que tinha outro destino. Existe aí uma desordem aparente dos fenômenos hidrográficos que lembra os elementos contraditórios da Psicologia individual; no entanto, a região encontra-se sujeita a leis hidrográficas e isostáticas já conhecidas pela ciência em seus dispositivos gerais.
Retornamos àquela região, em setembro de 1998, e tivemos a oportunidade de constatar a vazão do rio Tocantins, via subafluente Sono e afluente Novo, através da lagoa de Varedão, os quais deságuam para o São Francisco, com um débito de aproximadamente 89 a 110 m3/s. Como vemos, a bacia do São Francisco se interliga com o Tocantins, por intermédio da lagoa de Varedão via subafluente Sapão, afluente do rio Preto e tributário do rio Grande. O Atlas do Barão Homem de Mello (1885) é o único mapa que conseguimos com a localização da lagoa de Varedão.
2ª - Interligação do rio Tocantins com o rio Parnaíba através da LAGOA DE JALAPÃO, no divisor d'água do Tocantins com os afluentes maranhenses do rio Parnaíba . Afirma ODILON DE LIMA JR, que se fosse construída uma adutora partindo de Carolina, no Estado do Maranhão, levasse as suas águas até o Riachão, que distando dali cerca de 50 km a oeste, e em seguida estas águas fossem transferidas para os afluentes maranhenses do rio Parnaíba. A torrente atingiria a barragem de Boa Esperança, no Piauí. Há 350 km abaixo, seria construída outra adutora de 300 km, até a Chapada do Araripe, onde seria também construídos grandes reservatórios, que por gravidade, suas águas seriam distribuídas diretamente para os Estados do Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, e através de desvios, para o Rio Grande do Norte, evitando assim, qualquer confrontação com os Estados da Bahia, Sergipe e Alagoas.
3ª - Esta alternativa de autoria do Engº THEÓPHILO BENEDICTO OTTONI NETTO consiste segundo o Engº PEDRO NEY S. PEREIRA, no desvio para o rio São Francisco de uma fração constante da DESCARGA
REGULARIZADORA DO RIO GRANDE, (afluente do rio Paraná) na altura da represa de Furnas, através da barragem auxiliar de Pium - I , no Estado de Minas Gerais. Esta barragem auxiliar materializa um divisor d'água artificial entre as bacias do Rio Grande e do São Francisco, situados cerca de 30 metros acima do divisor d'água natural, atualmente existente. Com esta barragem auxiliar, o rio Pium -I , originalmente um afluente do rio Grande, teria seu fluxo natural alterado, elevando o nível de suas águas ao ponto de poder descarregá-las para a bacia do São Francisco. Portanto o rio Pium - I torna-se-ia assim, artificialmente, um afluente do São Francisco. Esta mudança na morfologia natural teria inclusive conseqüências de ordem legal e administrativa, visto que os Municípios de Capitólio e Pium antes banhados pelo rio Pium mas não pelo São Francisco.
O objetivo técnico da barragem auxiliar de Pium - I foi o de ampliar artificialmente o volume da bacia hidráulica da Represa de Furnas, visando a transposição para o São Francisco. Esta alternativa nos livra das restrições dos Estados da Bahia, Sergipe e Alagoas.
Finalmente, convém destacar que, a transposição de bacias hidrográficas extra - nordestinas para o semi-árido equatorial brasileiro, se faz necessário pelas seguintes razões:

O Nordeste semi-árido (sertão) e o Ceará só aproveitam 8% (oito) das chuvas caídas, para alimentar nossos rios, lagos, açudes, sistema de drenagem etc., em face a elevada insolação, evaporação e evapotranspiração, que levam 92% das águas caídas, enquanto que o semi-árido dos Estados Unidos, e Israel perdem apenas 45%. O fenômeno da seca é a normalidade do nosso clima. Enquanto as regiões semi-áridas das zonas temperadas têm quatro instrumentos de água (geada, nevada, granizo e chuva), o Nordeste semi-árido equatorial tem apenas um instrumento de água : a chuva .
Um levantamento da variação pluvial no Estado do Ceará, a partir de 1926, a sua curva estatística denota, até 1999, (73 anos) claramente, uma diminuição dos índices pluviais no espaço cearense
No Ceará, a zona do sertão se despeja diretamente no mar. Aqui inexistem as zonas da mata (a mais rica do Nordeste) e o agreste. Por isto, a melhor técnica de irrigação é a de gotejamento, porque evita a salinização do nosso solo .
É aqui onde a zona equatorial do Planeta, o clima mais se anomalizou, pois estamos numa latitude idêntica à do Amazonas, Congo, Indonésia, área super-úmida, e, no entanto, o Ceará, apesar de sua equatorialidade, apresenta um rígido clima semi-árido. Ressalte-se que o sertão (derivado de "desertão") não é tropical.
A nossa vegetação predominante é a caatinga que, do ponto-de-vista florístico, é a penúltima forma biofísica, antes do aparecimento do deserto. Por isto, o Ceará é o melhor laboratório para a investigação sobre o semi-árido e o processo de desertificação; ela retém 30% das chuvas, impedindo ainda o assoreamento de 20% dos rios e açudes. A vegetação, embora que não economize as águas, no entanto, regulariza o ciclo da chuva. Daí a importância do reflorestamento nesta área, com vegetação do tipo galeria ao longo dos rios, lagos e açudes .
A agricultura sempre foi aqui mais uma solução sociológica do que econômica (até os dias atuais), tendo em vista o alto grau de absorção de mão-de-obra na agropecuária .
Nunca tivemos um ciclo econômico expressivo, como o do açúcar da Zona da Mata (Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia) e Pólo Econômico, que pudesse concorrer com o Pólo Petroquímico da Bahia, o mais rentável do Nordeste.
Na atualidade, o Pólo Econômico de Salvador e, consequentemente, toda a Bahia, tendem a aumentar a sua polaridade econômica, mercê das maiores facilidades de transportes e maiores ligações funcionais ( turismo, mercado de capitais, grupos empresariais e alta industrialização), não só no mercado nordestino, brasileiro e internacional. Hoje, Salvador é um grande centro de decisão nacional e regional; por isto devemos nos conscientizar de que os problemas nordestinos devem ser analisados dentro dos desníveis interregionais.
Pelas nossas peculiaridades - ecológicas, climáticas, pedológicas, fitogeográficas - não podemos nos valer de "know-how" de áreas de clima semi-árido situadas em zonas temperadas e subtropicais, como os Estados Unidos, Israel, Marrocos. Temos sim de criar um "know-how" próprio, fruto das nossas experiências, derrotas, vitórias, isto é, nossa conjuntura e estrutura peculiares.

Caio Lóssio Botelho
Doutor em Planejamento Regional – Organização dos Estados Americanos;
Pós - Doutor – Livre Docente – Universidade Federal do Ceará;
Professor Titular – Universidade Estadual do Ceará.

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